‘Não há argumentos consistentes para a redução da maioridade
penal’
Para antropóloga Débora
Diniz, prisão de menores pode aumentar insegurança
ISABELA HORTA
Brasília
Brasília
Débora Diniz
diz que não há argumentos consistentes que justifiquem a redução da maioridade penal de 18
para 16 anos. Segundo a antropóloga, que é professora de Direito na UnB
(Universidade de Brasília), duas “inverdades” orientam essa proposta. “A
primeira sustenta que os atos infracionais cometidos por adolescentes não são
punidos. A segunda considera a prisão uma medida justa e que poderia conter a
violência”, explica.
Depois de mais
de 20 anos parado no Congresso Nacional, o projeto que trata da redução da
maioridade começou a ser debatido em uma comissão especial da Câmara dos
Deputados. O colegiado terá 40 sessões para decidir sobre o assunto. Se o
projeto for aprovado pela comissão especial, seguirá para votação no plenário
na Câmara.
Na avaliação de
Débora, o encarceramento de adolescentes poderá aumentar a insegurança a longo
prazo. “Esse jovem dificilmente conseguirá ser reinserido na sociedade, uma vez
que ficará um longo período longe dos estudos, perderá os vínculos sociais e
terá suas chances de trabalho reduzidas. Isso certamente pode criar as
condições de fragilização para o crime ou outras formas de sobrevivência à
margem das leis.” Para a professora, é “impossível” que o regime prisional de
restrição de liberdade ressocialize o menor infrator.
A pesquisadora
da Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) critica o argumento
de que a redução da maioridade inibirá o recrutamento de jovens para a prática
de crimes. Diz que a inimputabilidade dos menores não deve ser confundida com
impunidade. “O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê seis medidas
socioeducativas para punir os jovens infratores, que variam conforme a
gravidade do ato infracional cometido.”
Débora também
critica a proposta de redução da maioridade apenas em casos de crimes
hediondos. “Os adolescentes que cometem atos infracionais contra a vida são a
minoria dentre os adolescentes em conflito com a lei. Essa exceção não pode
justificar a criação de uma regra que diferencie os menores infratores.”
O Brasil ocupa
o segundo lugar no ranking de homicídios de adolescentes elaborado pela Unicef
(Fundo das Nações Unidas para a Infância), ficando atrás apenas da Nigéria.
Para a antropóloga, o genocídio de jovens é “naturalizado” pela sociedade
brasileira. “As vítimas são negras e pobres. Não são crimes que causam temor às
elites conservadoras do nosso país. O que assusta as elites é a possibilidade
desse mesmo adolescente, que pode morrer, cometer um crime contra a vida de
algum deles”.
Confira a
entrevista:
1 – Quais são os
argumentos mais consistentes a favor da manutenção da maioridade penal em 18
anos?
O principal
argumento para a manutenção da maioridade penal em 18 anos é que os
adolescentes são pessoas em desenvolvimento e, por isso, merecedores de
proteção especial e de cuidados específicos. Nesse caso, a inimputabilidade do
menor de 18 anos tem que ser entendida como uma necessidade para a garantia de
direitos fundamentais para uma pessoa que está em desenvolvimento.
2 – Quais são
os argumentos mais consistentes a favor da redução da maioridade penal para 16
anos?
Acredito que
não há argumentos consistentes que justifiquem a redução da maioridade penal
para os 16 anos. O que há são argumentos que se orientam, principalmente, por
duas inverdades: a primeira, que sustenta que os atos infracionais cometidos
por adolescentes não são punidos. A segunda, que considera a prisão uma medida
justa e que poderia conter a violência.
3 – As pessoas
que são a favor da redução da maioridade penal argumentam que a
inimputabilidade faz adultos recrutarem menores para cometerem crimes. Como
solucionar esse problema? O jovem de 16 anos tem maturidade psíquica para ser
responsabilizado por seus atos infracionais?
Esse me parece
ser um argumento muito frágil para a defesa da redução da maioridade penal. Há
um enorme engano daqueles adultos que recrutam adolescentes para cometerem
crimes partindo da ideia de que esses jovens ficariam impunes. O
ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê seis medidas
socioeducativas para punir os jovens infratores, que variam conforme a
gravidade do ato infracional cometido. Ou seja, o que há aqui é um falso
problema, pois a inimputabilidade do adolescente não significa a impunidade do
ato infracional.
O jovem de 16
anos deve ser considerado como uma pessoa em desenvolvimento e, portanto, como
alguém que necessita de uma proteção especial e de prioridade absoluta na
garantia de direitos.
4 – O que acha
da proposta que reduz a maioridade penal apenas para crimes hediondos? Faz
sentido criar esses dois tipos de maioridade penal?
Não faz sentido
criar dois tipos de maioridade penal. Os adolescentes que cometem atos
infracionais contra a vida são a minoria dentre os adolescentes em conflito com
a lei. Essa exceção não pode justificar a criação de uma regra que diferencie
os menores infratores. Além disso, esses adolescentes que comentem atos graves
são punidos com medidas socioeducativas de internação, ou seja, eles já são
punidos com uma medida privativa de liberdade.
5 – A prisão de
jovens infratores diminuiria os índices de violência? Qual deve ser a
estratégia para reduzir a criminalidade?
Essa é uma
promessa não cumprida do cárcere e uma expectativa de quem aposta na prisão
como medida justa de retribuição ao crime. É impossível que um regime prisional
de restrição de liberdade possa ressocializar o menor infrator de forma que ele
se torne um cidadão participativo. Além disso, as prisões são espaços de
negligência, violência, insalubridade, o que elas produzem é maior
vulnerabilização e exclusão social. Para a redução da criminalidade de
adolescentes em conflito com a lei, o que deve existir é um maior investimento
em políticas sociais de garantias de direitos fundamentais e não em políticas
punitivas mais severas.
6 – De que
forma a reclusão em nosso sistema penitenciário pode impactar o desenvolvimento
de um jovem? Ele conseguirá ser reinserido na sociedade?
Ao contrário do
que se pensa, o encarceramento de adolescentes no sistema prisional pode
aumentar ainda mais a insegurança em um longo prazo. Isso porque esse jovem
dificilmente conseguirá ser reinserido na sociedade, uma vez que ficará um
longo período longe dos estudos, perderá os vínculos sociais e terá suas
chances de trabalho reduzidas. Isso certamente pode criar as condições de
fragilização para o crime ou outras formas de sobrevivência à margem das leis
7 – Segundo
dados da Unicef, o Brasil é o segundo país no mundo em número absoluto de
homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria. Mais de 33 mil brasileiros entre
12 e 18 anos foram assassinados no período de 2006 a 2012. Por que a redução da
maioridade penal tem mais espaço no debate público do que a busca de medidas
para impedir o assassinato de jovens?
Esse problema
do debate público ocorre também no nosso dia a dia, o assassinato massivo de
jovens no Brasil é naturalizado e silenciado por nós. Esses são crimes que têm
cor e classe. As vítimas são negras e pobres. Por isso, não são crimes que
causam temor às elites conservadoras do nosso país. O que assusta as elites é a
possibilidade desse mesmo adolescente, que pode morrer, cometer um crime contra
a vida de algum deles. Ao se mover por esse medo e tentar solucioná-lo com a
proposta da redução da maioridade penal, o debate público omite esse problema
mais grave de genocídio da população jovem e negra do Brasil para tranquilizar
quem dificilmente será morto por um adolescente infrator
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