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domingo, 20 de dezembro de 2015

Os últimos anos do Padre Cícero, contados nas páginas do O POVO

Em julho de 1929, na cidade então chamada Joaseiro, espalharam-se boletins com assinatura do padre Cícero Romão Baptista. “Recommendo aos meus amigos que não assignem absolutamente qualquer documento politico a pedido de pessoa alguma, sem que primeiro se entendam pessoalmente commigo”.
O momento era de ebulição. Havia sido rompida a “política do café com leite”. O então prefeito do atual Juazeiro do Norte, Alpheu Ribeiro Aboim, colhia assinaturas de apoio à candidatura presidencial do mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. O padre se opôs à articulação.
Nos meses seguintes, Andrada cedeu a candidatura a Getúlio Vargas. O eleito foi Júlio Prestes, que nunca tomou posse, devido à Revolução de 1930.
O registro é um dos primeiros do Banco de Dados do O POVO sobre o Padre Cícero. A notícia dá o tom da atuação e ascendência políticas que o sacerdote mantinha aos 85 anos, apesar de ter tido suspensa a autoridade para celebrar missas e ritos litúrgicos. Ele chegava a influenciar de forma individualizada a vida política dos seguidores.
Pelos cinco anos seguintes, o padre permaneceu personagem frequente no O POVO. Está registrado o nacionalista anti-imperialista, protetor dos apadrinhados e o articulador político maleável e carismático. “Aqui no Ceará tenho, mais ou menos, acompanhado o Partido Conservador. Sou, porém, como todo cearense, liberal de coração”, dizia em depoimento publicado em 28 de fevereiro de 1930, conciliando as duas principais forças políticas da época.
Ele expunha também sua visão nacionalista. “Sou contrário á política dos empréstimos no estrangeiro e á concessão de terras a perigosos elementos de outros paizes, sobretudo aos yankees, cujo imperialismo constitue indiscutivel ameaça á independencia economica e politica de varios paizes, como as Repúblicas da America Central”. O repórter destacava a “fidalguia, que tanto prende e seduz quem delle se aproxima”.
Em 28 de março do mesmo ano, O POVO reproduzia reportagem do O Globo, do Rio de Janeiro — o sacerdote era personagem nacional. O texto descrevia: “(...) innumeras levas de devotos, homens e mulheres, deslisavam lentamente, em sua maioria maltrapilhos, rumo á cidade para elles encantada”.
“O padre Cícero gosta de falar. É loquaz, mas intelligente e matreiro. Sabe contornar, com um sorriso nos labios, as situações mais delicadas”.
Em 4 de abril de 1930, outra característica era exposta. O padre teria “desmoralizado o delegado”, ao dar proteção ao “beato José (Lourenço)”, que se recolhera à casa do sacerdote supostamente após açoitar “em plena feira, uma infeliz mulher”.
Em 26 de agosto, o jornal registrou carta direcionada a Júlio Prestes, na qual negociava indicações para ministério, a sucessão no governo estadual e uma candidatura aliada a deputado federal. O arranjo com o candidato a presidente iria por terra com a revolução.
Piadista
Em 18 de fevereiro de 1931, O POVO publicou entrevista com o padre. Há descrição do Juazeiro de então, na qual ele já tinha estátua “dominadora” em praça pública. “Ao approximar-se da residencia do Padre Cicero, Joaseiro como que se transforma subitamente. (...) De cidade movimentada e alegre (...), transfigura-se ali, nas cercanias da mansão patriarchal, num verdadeiro fóco de fanatismo”. O relato é duro e aponta o “ambiente asphyxiante de miseria e fanatismo”.

O padre, aos 87 anos, era descrito como “relativamente forte, andando ligeiro e falando apressado”. E piadista: “Estou de resguardo”, disse, fingindo negar a entrevista.
Na conversa, mostrou-se entusiasta do movimento de Vargas. “A Revolução foi uma intenção que Deus entregou aos brasileiros para se libertarem”. Opinava também sobre o comunismo: “Foi fundado pelo demônio”.
Para ser fotografado, o padre expôs a faceta vaidosa. Antes, queria fazer a barba e mudar a batina, “para não aparecer velho”.
Em 10 de setembro do mesmo ano, o padre já estava “quase cégo, amparado num braço amigo”. Não tinha o vigor de sete meses antes. Entre os assuntos abordados, a relação com Lampião. Condenou as “selvagerias”, contou do respeito do cangaceiro a ele e aos romeiros e narrou ocasião em que tentou recuperá-lo. “Todo pecador é regenerável. Lampeão não podia ser, tambem?”
Em 20 de julho de 1934, O POVO noticiou sua morte, aos 90 anos. No dia 23, a narrativa do funeral apontava que o comércio todo fechou e um avião militar fez evoluções em sua homenagem. O cortejo tinha público estimado em 60 mil. A notícia registrava ainda que duas pessoas tiveram ataques cardíacos.
Nas décadas seguintes, O POVO registrou o crescimento da devoção, a reverência, as peregrinações, o mito e as polêmicas em torno da mais influente personalidade popular cearense.
Os trechos entre aspas estão grafados conforme grafia e acentuação da época
“Sou contrário à política dos empréstimos no estrangeiro e à concessão de terras a perigosos elementos de outros países, sobretudo aos yankees”“(O comunismo) foi fundado pelo demônio”
Pedido de revisão das unições foi feito em 2006
No último domingo, O POVO antecipou com exclusividade a informação sobre a reconciliação de Padre Cícero. A mensagem enviada pelo papa Francisco foi lida na catedral do Crato pelo bispo da diocese, dom Fernando Panico. O anúncio ocorreu durante a missa de celebração do Jubileu da Misericórdia e Abertura da Porta Santa, no Cariri cearense. 

A reabertura do processo de reabilitação do sacerdote foi feito por dom Panico, em 2006, quando o papa Bento XVI ainda comandava a Igreja Católica. Padre Cícero, após os desdobramentos do suposto “Milagre da Hóstia” (1889), morreu suspenso de ordens.

Foi proibido de conceder a eucaristia, de batizar e casar fiéis. A interdição, no entanto, não teve importância para os romeiros que, atraídos pelas noticias de milagres em Juazeiro do Norte, passaram a peregrinar para a cidade do interior do Ceará.

No dia 30/5/2006, dom Fernando entregou ao cardeal Josef Willian Levado, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, no Vaticano, 16 páginas de defesa para a reabertura do processo. O bispo do Crato foi para Roma com uma comitiva de fiéis e um documento assinado por 270 bispos, que atuam no Brasil, referendando o pedido de reabilitação do sacerdote que também foi chefe político no Cariri.

Após ser punido pelo Vaticano em 1892, Padre Cícero chegou a se mudar para o município pernambucano de Salgueiro. Obrigado a se distanciar da polêmica e do furor que se instalou em Juazeiro do Norte. Foi, então, que resolveu ir ao Papa Leão XIII. Dessa viagem, ficou em Roma por oito meses e, após ser julgado, recebeu autorização para voltar para Juazeiro. Mas sem permissão para exercer o sacerdócio. 

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